Amour

 
Michael Haneke é um diretor de teses. Em Caché realizou uma tese sobre a mesquinha vida burguesa. Em Violencia Gratuita o tema foi o prazer do ser humano em ver sofrimento alheio (incluindo nós espectadores de seu cinema). Amour não é diferente. Já na cena inicial, somos alocados em frente a uma platéia assistindo um concerto de piano. A platéia esta a nossa frente e a camera sobre ela é constante. Como se estivesse nos observando e não nós a ela. No desenrolar da trama nos tornamos testemunhas oculares sobre a vida de duas pessoas que estavam nessa platéia:George e Anne. Professores de música casados há mais de quarenta anos possui uma afinidade e intimidade conquistada por raros ao longo de tanto tempo. Seus dias são recheados por leituras, planejamentos de idas a concertos, teatro e outras coisas do tipo. Casal feliz que se ama. Isso até o dia em que tomando café da manhã Anne tem um ataque. Fica paralisada. Sofre um derrame. A partir daí sua rotina é revirada pois sua mulher não quer ficar presa ao hospital. Assim ele promete que não a deixará lá, cuidando dela em sua própria casa.
Se no início do filme somos testemunhas da vivacidade do idoso casal, ao longo do filme vemos Anne se definhando na cama dia após dia, ataque após ataque. Não come, não anda, não faz suas necessidades, não troca de roupa sem a ajuda do marido. O derrame é um divisor de agua na vida e personalidade do casal. Se no início George é um marido devoto e gentil que deseja cuidar da esposa sem ajuda, com o tempo ele contrata duas enfermeiras e se torna impaciente e cansado. Sua mulher não tem mais nenhuma vivacidade e vive de forma indigna. Não vive apenas sobrevive.
 
Todo o  roteiro é dignificado pela primazia tecnica. A amplitude da casa em que o casal mora é valorizado por Haneke, transformando o cenário em um terceiro personagem. Seus longos planos estáticos e concentrados sobre cada comodo, sobre cada quadro na parede (paisagens amplas com um personagem no centro ou no fundo do quadro) funciona como uma expressão da solidão sofrida por Anne. A ausencia da trilha sonora e música de fundo o torna ainda mais angustiante, intimista e melancolico. Nesse ponto  passamos de testemunhas a aliados de Anne. Tudo o que desejamos é o fim de seu sofrimento. Esse momento é que entra a discussão e a tese de Haneke: A questão da eutanásia/ suicídio assistido que, como sabemos, é um tema bastante complexo e muito em voga.
 
Amour é um filme complexo e multilateral. São inúmeros os simbolismos presentes nessa complexidade: um pombo que insiste entrar na casa, o sonho sufocante de George... E todos relacionados a finitude da vida. Relacionados a questão do que é a vida. Será que somente respirar é viver? Mesmo estando preso em uma cama sem nenhuma mobilidade? Sem nenhuma liberdade ou independencia? São muitas questões e debates que a tese do filme suscita. Não é um filme fácil. Tanto pela temática quanto pela forma como é realizado. Mas é um filme com todas as letras. Soberbo e  recheado de dialogos e falas que enaltecem a vida. È desafiador tanto intelectuamente quanto emocionalmente. Se a academia for justa ( seria a primeira vez) Amour levará com folga a estatueta de melhor filme.
 
 

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